segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

ARTE: INSPIRAÇÃO, SENTIDO E LUGAR DE PODER (Parte 1)

Por Flávia Hargreaves
Ligação com a terra.
Lugar que ressoa no coração.
Praia arenosa, alto da montanha.
Verde floresta coberta de árvores.
Desertos profundos, verdes prados,
Logo te encontrarei.
Farás meu coração cantar;
Cachoeira, Cascata, Rio ou Mar.
(CARTA 16: LUGAR DE PODER, 
(As Cartas do Caminho Sagrado, Jamie Sams)

Nos últimos meses, sempre que vou visitar uma amiga, Anna Saraiva, dou de cara com o livro “As Cartas do Caminho Sagrado”, de Jamie Sams. Não que eu tenha alguma relação com xamanismo norte-americano e afins, mas não resisto e pego uma carta.

 A última carta que peguei foi “Lugar de Poder” que fala sobre ser um catalisador de acontecimentos que ocorrem ao redor, mas também fala de um lugar de recarga, um lugar de poder pessoal. Não tenho a intenção de me aprofundar nas cartas, nem mesmo nos complexos termos “inspiração”e “sentido”, estou apenas compartilhando a minha experiência pessoal, as reflexões que este contato despertou em mim, as articulações que fiz com acontecimentos recentes e como isto pode nos auxiliar na Arteterapia, que, afinal, é o tema deste blog.

Lugar de Poder. O que seria este lugar de poder pessoal? Como identificar este lugar de recarga, este lugar onde somos nós mesmos, onde podemos exercer nossos talentos, onde tudo parece fazer sentido? Ou seria melhor dizer “onde está nossa saúde? Lugar de Saúde!”.
 
Kaquico (1941-2016)
Recentemente perdi um amigo muito especial, Kaquico, e a música era o seu lugar de poder/saúde, e também havia um lugar concreto, geográfico, São João del Rei e e sobre este escreverei em outra oportunidade, fazendo um recorte "Arte" e "Ambiente". Mas hoje vou me concentrar na música, na Arte.  Kaquico não guardou sua música para si e para seus ouvintes, mas inspirou, reuniu pessoas em torno da música democrática que fazia. Foi um catalisador de pessoas, tendo sido fundamental na vida de muitos, que foram levados ao reencontro com esta arte, que retomaram seus instrumentos e voz. 

E então voltamos à questão da Arte, agora como lugar de poder/saúde. Fazer música, dançar, pintar, ... como esta aproximação com as linguagens da Arte pode nos auxiliar, nos inspirar neste reencontro com o sentido de nossas vidas, neste reencontro com o que há de saudável em nós. É preciso salientar aqui que não se trata, embora também seja fundamental, ser um observador, ouvir música, ir ao teatro, visitar exposições, etc. mas FAZER ARTE. Falo aqui de uma arte democrática, sem um compromisso profissional e suas exigências.

A Arteterapia pode proporcionar este lugar, este encontro com a Arte em suas diversas linguagens com a abertura necessária para que cada um possa descobrir o seu “Lugar de Poder/Saúde” diante de tantas possibilidades. Será que nossa função seria promover este encontro e este reconhecimento do lugar de poder/saúde do nosso cliente, e valorizá-lo? Quantas vezes é justamente este lugar que deixamos pra lá, dizendo “quando tiver um tempo...” e assim vamos nos perdendo e adoecendo.

Como tudo tem, pelo menos, dois lados, da mesma forma que se faz necessário identificar este lugar de recarga e força, também precisamos estar atentos aos lugares de enfraquecimento, empobrecimento e perda de energia.

Identificar e lidar com o “Lugar de Poder/Saúde” e o “Lugar de Enfraquecimento/Doença”, não diz respeito somente ao nosso cliente, mas é fundamental que o terapeuta faça o “dever de casa”.

E deixo a pergunta: Qual o seu “Lugar de Poder”?
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O MANEJO DO FENÔMENO DA PROJEÇÃO EM ARTETERAPIA (PARTE II)


Eliana Moraes

Estamos em um momento crucial para a Arteterapia em nosso país, em meio ao processo de sua profissionalização. Uma das implicações desta nova perspectiva é o movimento que a Arteterapia fará para que constitua sua identidade, seu corpo teórico e campo de atuação próprios.

Uma das especificidades da Arteterapia como técnica terapêutica é o manejo do fenômeno da transferência, uma vez que por definição se baseia no uso das técnicas expressivas no processo terapêutico. Este “pequeno detalhe” acarreta uma série de desdobramentos ao qual faz-se necessário que a Arteterapia teorize e instrumentalize o arteterapeuta para sua atuação profissional.

No texto publicado no dia dezoito de maio de 2015, dei início a esta reflexão em um texto chamado “O manejo do fenômeno da projeção em Arteterapia (Parte I)” e hoje darei seguimento.

Retomando a questão, a projeção é um fenômeno inconsciente, natural e automático, ao qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. Aqui entendemos “objeto” da forma mais ampla possível, sendo uma outra pessoa, um objeto material, até mesmo uma obra de arte em suas mais variadas linguagens...

Fazendo um recorte deste fenômeno para a clínica, voltamos o olhar para a projeção de um sujeito (o paciente) à outro ser humano  (o terapeuta), e assim é denominado o fenômeno da transferência. A outra via deste fenômeno, do terapeuta ao paciente, contratransferência. Entretanto, se estamos na clínica da Arteterapia, apresenta-se a especificidade da inclusão de um terceiro elemento nesta dinâmica, formando-se a tríade “terapeuta-paciente-material” – entendendo material em um sentido amplo como o material plástico, a técnica expressiva, a imagem.

A entrada deste terceiro elemento altera toda a dinâmica do processo terapêutico uma vez que ele divide com o terapeuta o fenômeno da projeção. Nas palavras de Claudia Brasil:

“Na relação terapêutica, as projeções são diretamente feitas ao terapeuta, que, como uma tela em branco, ocupa esse lugar de  ser alguém muito bom ou muito ruim, dependendo dos conteúdos que foram projetados pelo cliente... É no encontro analítico e precisamente na relação de transferência e contratransferência que a ferida será tocada... para que possa ser o espelho para o outro.” (BRASIL, 2013 p 51)

“Nessa perspectiva é preciso entender que qualquer novo elemento que permeie essa relação pode provocar mudanças significativas no processo de espelhamento e da formação da consciência, o que colabora com a ideia de que os materiais podem ser considerados esse terceiro elemento. Um objeto que se relaciona com o terapeuta e com o cliente, não apenas como depositário das imagens, mas como troca significativa, na qual é imposto ao cliente um movimento, uma ação e um olhar para que possa se fazer entender no processo de criação.” (BRASIL, 2013 p 53)

Neste contexto apresenta-se uma nova configuração no setting terapêutico:
“... a ideia de um terceiro elemento... canaliza certas projeções, bem como uma quantidade de energia para os materiais... Logo percebemos que os materiais tomam uma dimensão, adquirem importância para o cliente e também para o terapeuta... tornam-se o centro do processo, e, em muitas situações, o cliente volta-se para sua obra de forma intensa, como uma mãe volta-se para o filho que nasce. (BRASIL, 2013 p 55-56)

Esta perspectiva desafia o arteterapeuta à uma mudança de lugar.
“a relação tríade não exclui o terapeuta, mas inclui os materiais e a obra como cocatalizadores”. (BRASIL, 2013 p 56)
“O terapeuta fica em uma posição lateral, preservado e menos solicitado afetivamente.” (BRASIL, 2013 p 56)
“Ao terapeuta, cabe a tarefa de, na relação de transferência, propiciar um campo de acolhimento para essas manifestações autônomas do inconsciente.” (BRASIL, 2013 pag 50)

Na prática, o que isto significa? É natural a pergunta: qual é o papel do terapeuta que compõe a tríade?

Basicamente e essencialmente a importância do terapeuta está em sua presença! Estar ao lado do paciente enquanto ele trilha seu caminho de autoconhecimento. Vale ressaltar que esta dinâmica traz uma responsabilização ao paciente por seus próprios passos, convocando-o a ser autor de sua obra e protagonista de sua jornada. Ao terapeuta caberá dar sustentação para este caminhar através de seu afeto na relação de transferência.

Durante este processo o terapeuta fará uso de sua técnica propondo os materiais, as técnicas expressivas. Desta forma é necessário primeiramente que ele tenha instrumentalização teórica e experiência com a riqueza de materiais, técnicas e suas propriedades para que saiba oferecê-los durante o processo terapêutico. Em segundo lugar é essencial que o arteterapeuta desenvolva uma escuta refinada e uma observação atenta para seu paciente em seu processo, e perceba em que momento se presentificar ou apenas permitir que seu paciente caminhe, enquanto desempenha seu papel principal: estar ao lado.

A relação terapêutica baseada na tríade é conhecida por outros campos de saber como a Terapia Ocupacional. E foi teorizada por grandes referências como a Doutora Nise da Silveira. Entretanto estes são corpos teóricos que não são especificamente Arteterapia. Que através da prática e da pesquisa, a Arteterapia permaneça caminhando na construção de sua própria identidade e corpo teórico próprios.

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BRASIL, Claudia. Cores, Formas e Expressão: Emoção de lidar e Arteterapia na Clinica Junguiana. Ed. Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2010.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O DESEJO GRANDE DE PENSAR A ARTETERAPIA


Por Eliana Moraes


“... Gostaria de te desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente.
Então desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes.
E que eles possam te mover a cada minuto, ao rumo da sua felicidade.”
Carlos Drummond de Andrade


Abrem-se as cortinas de 2016, como um ano de boas perspectivas. É bem-vindo como uma nova fase, com novos projetos, novas buscas, novos desejos. Para a Arteterapia, percebemos este ano como um momento crucial no processo de sua regulamentação e consolidação como profissão em nosso país. Acredito que este será um passo muito importante para que a Arteterapia conquiste seu espaço na saúde, na equipe interdisciplinar, nas instituições e organizações.

            Um dos desejos da equipe “Não Palavra” para 2016 é pensar a Arteterapia como profissão autônoma. Seu corpo teórico e técnico próprios e seu campo de atuação próprio. A Arteterapia é um saber que faz interseção com diversos outros saberes, e de fato bebeu da fonte destes para surgir. Entretanto, faz-se necessário que em alteridade se reconheça, se diferencie e desenhe sua identidade própria. E em si, poderá retornar amadurecida para o diálogo com aqueles saberes que tanto contribuíram para sua constituição.

Desejo é aquilo que nos move. Que nos faz buscar e movimentar o que for necessário para alcançar o que visualizamos. Desejar é o que nos mantém em vida. “Desejo que você tenha muitos desejos. Desejos grandes.”  é algo que só alguém que ama pode desejar.

Este é o meu desejo para a Arteterapia no ano de 2016, consciente de que a Arteterapia somos eu e você. Nós, que a compomos em cada atendimento, cada texto, aula, estudo, troca, diálogo. Que em 2016 a Arteterapia (eu e você) seja movida por desejos grandes, a cada minuto, ao rumo da sua (nossa) felicidade.
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Conheça nossas propostas para o primeiro trimestre de 2016:


Curso Vivencial
Arteterapia: História da Arte para quê?
Arte Moderna e a Arteterapia.
Com Eliana Moraes e Flávia Hargreaves

Início: 2 de março
Quartas das 14:30h às 17:30h
Inscrições e informações por email: naopalavra@gmail.com

Curso
Arteterapia: 
Conhecendo os materiais e aprendendo a usá-los
Com Flávia Hargreaves

Início: 10 de março (De 10 de março a 23 de junho).
Quinta - das 9:15h às 11:45h – 13 aulas
Informações e Inscrições: fmhartes@gmail.com


II CICLO DE PALESTRAS NÃO PALAVRA

ARTETERAPIA E EMOÇÃO DE LIDAR: Encontros e Desencontros.
com Flávia Hargreaves

Dia 10 de março - Quinta - das 18h às 20h

Veja nossa programação de cursos para o primeiro semestre em 
CURSOS E GRUPOS DE ESTUDO:
http://nao-palavra.blogspot.com.br/p/cursos-e-grupos-de-estudo.html


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