terça-feira, 31 de maio de 2016

ARTETERAPIA: EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE

ou a necessidade faz o sapo pular

Por Flávia Hargreaves

Sobre o provérbio do sapo, a questão é que quando colocado na água fervente ele pula, porém se o colocarmos na água na temperatura ambiente e começarmos a esquentá-la lentamente, ele se acomoda, fica estático e morre inchado, fervido e feliz.

  
Muito bem, sou movida por incômodos, para o bem ou para o mal, “é o que é” (1). No dia 22 de abril foi o Dia do Arteterapeuta e foi uma profusão de posts nas redes sociais. Que maravilha!!!! Tudo muito bom a não ser pelo fato dos posts serem predominantemente, citações de Jung. Belas citações, profundas, poéticas, belas imagens, mas a pergunta que não quer calar: “Será que a Arteterapia não tem nada a dizer?” Eis o meu incômodo, agora, confesso.

Pois bem, como não sou de me dar por vencida, estou buscando respostas. Encontrei algumas respostas, mas o Rio de Janeiro parece uníssono na abordagem junguiana da Arteterapia e não estou convencida de que seja o único caminho, embora tenhamos notícias de diálogos tímidos com a Gestalt e TCC. Então sigo buscando e acredito, talvez até junguianamente, que quando você está verdadeiramente interessado em algo, os encontros acontecem.

Por isso, hoje não falarei de desencontros mas de encontros, mais especificamente, de UM encontro. No feriado de Corpus Cristi (26/05/16) fui recebida por Tania Netto, arteterapeuta e pós-doutora em Neurociência, em um delicioso café-da-manhã, quando tivemos oportunidade de conversar sobre os fundamentos da Arteterapia e suas diversas abordagens desenvolvidas nos EUA. ARTETERAPIA como ARTETERAPIA em seu próprio território.

Sobre a história da nossa profissão, um nome já citado neste blog (2): Margaret Naumurg, cuja pesquisa criou as bases da Arteterapia nos EUA, se destacou na nossa conversa. Sobre a nossa prática e suas diversas abordagens destacaram-se 2 livros:  Approaches to Art Therapy (1987, rev. 2001) de Judith Aron Rubin e Handbook of Art Therapy de Cathy A Malchiodi.

Pois bem, saio deste encontro com 13 edições do ART THERAPY: JOURNAL OF THE AMERICAN THERAPY ASSOCIATION para estudar e compartilhar com vocês minhas novas descobertas, e ... livros encomendados, porque não existem no Brasil e isto me parece dramático. Fica a dica pra quem vai viajar!!!!

Primeira Leitura

Ou o meu primeiro desafio, já que até aqui eu achava que não lia inglês, e de novo o provérbio: “a necessidade faz o sapo pular”.

O artigo escolhido foi sobre a produção de imagens abstratas e seus significados na Arteterapia: Abstract Imagery in Art Therapy: What does it mean? Michael J. Hanes, 1998.

Gostaria de destacar algumas questões que ele coloca (há quase 20 anos), e que não são o tema principal do artigo mas que fazem eco com minhas considerações sobre a prática da Arteterapia.

1) Sobre o método: os participantes do grupo são introduzidos ao espaço do ateliê e orientados sobre os materiais disponíveis. A abordagem utilizada foi não-diretiva, onde o participante tem acesso à múltiplos materiais artísticos e são encorajados a usá-los, experimentá-los de acordo com o seu desejo e necessidade.

2) Sobre o processo: Em suas apresentações de caso, o autor descreve as etapas da produção das imagens analisadas. Qual o material, quais os primeiros traços, a ordem e o modo como as cores são adicionadas, etc., além do estado do cliente, o que demonstra o olhar atento do arteterapeuta ao processo de construção da imagem.

Temos discutido estes dois tópicos com frequência no blog e em nossas palestras e aulas. Os nossos temas seriam o “ateliê de livre expressão e experimentação dos materiais” e “expressão espontânea” buscando uma prática da Arteterapia não-diretiva; e a discussão sobre a importância do  processo de construção da imagem, não a leitura da imagem final, mas considerando todo o processo como imagem e sendo decisivo na compreensão da mesma.

Sobre o foco do artigo, o significado das imagens abstratas e os fatores que influenciam a escolha por esta expressão, o autor coloca que existem vários fatores que ocorrem simultaneamente. Um deles seria “a insegurança com relação às práticas artísticas e o medo de críticas e frustração, sentindo-se menos ameaçados pelas imagens abstratas que não pretendem fazer referência visual aos objetos do ambiente, os protegendo de um julgamento em termos de representação realista.” Outro fator seria trazer conteúdos inconscientes ainda difíceis de lidar mas que necessitam ser vistos e trabalhados. “[...] suas linhas, formas e cores ambíguas inicialmente sem nome representam seu próprio sentido de incerteza e obscuridade” (HANES, 1998, p. 189, tradução livre da autora).

O autor enfatiza que somente o cliente poderá decifrar suas imagens e alerta que: “Se o cliente não estiver preparado para reconhecer o significado escondido, a imagem pode ser guardada em segurança e reexaminada em outro momento. [...] Interpretações feitas precocemente podem ser facilmente desperdiçadas, e intensificar seu uso defensivo. A importância de se guardar o trabalho de arte é possibilitar que as imagens sejam revisitadas posteriormente.[...] Somente o cliente poderá finalmente entender o verdadeiro significado de suas linhas, configurações e cores, portanto, interpretações prematuras podem facilmente impedir o desdobramento natural do seu profundo significado." (HANES, 1998, p. 189, tradução livre da autora).

Por hoje é só!

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# Tania Maria Netto -  Pós-doutorado em Neurociência (Faculdade de Medicina - UFRJ), PhD em Psicologia (PUC-RJ), Mestrado em Psiclogia (PUC - RJ), Graduação em Artes Plásticas e Psicologia com Especialização em Areteterapia (Universidade de Utah, Salt Lake City, EUA).

(1) Esta frase ouvi em um post de Erico Rocha, empreendedor digital, nas redes sociais.


Referências:
HANES, Michael J. Abstract Imagery in Art Therapy: What does it mean? in: ART THERAPY: JOURNAL OF THE AMERICAN THERAPY ASSOCIATION, 15(3), 1998. Vol. 15, Nº 3, 1998. 185-190

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